1
Introdução
Como
primeira publicação em um Blog que irá abordar temas de Direito Ambiental e
Agrário, nada mais coerente que descrever a importância dessas disciplinas
jurídicas, suas abrangências e, por fim, consequentes implicações no nosso agronegócio.
Apesar
de regrarem relações bastante antigas da humanidade, uma por tratar a relação
do homem com a terra e a outra por tutelar o próprio meio ambiente, não se pode
negar que ambas as disciplinas são recentes no ordenamento jurídico brasileiro,
sendo que o tratamento conforme é dado hoje ao Direito Ambiental, de forma mais
autônoma, é mais recente ainda.
Com
o fortalecimento das atividades agrárias e o constante crescimento da
conscientização em torno do meio ambiente, essas vertentes jurídicas vem
ganhando, nas últimas décadas, maior notabilidade. Assim, na mesma medida em
que observamos a expansão do agronegócio brasileiro, cresce a importância e a
influência do Direito Agrário e do Direito Ambiental na regulamentação das
relações jurídicas decorrentes da atividade agrária.
2 Direito Agrário e
Direito Ambiental: breves considerações
Inicialmente,
sobre Direito Agrário, este regulamenta muitas das relações que se dão no meio
rural. No ordenamento jurídico brasileiro, teve como marco de seu nascimento a
Emenda Constitucional nº 10, de 10.11.64, a qual outorgou a competência à União
para legislar sobre matéria agrária, decorrendo daí, 20 dias após, a
promulgação da Lei nº 4.504/64, conhecida como Estatuto da Terra.
A
importância deste ramo do direito pode ser antecipadamente revelada através de rasa
leitura de seus princípios, eis que traduzem uma série de proteções, seja daqueles
considerados mais fracos na relação, seja dos recursos naturais, da sociedade ou
ainda do desenvolvimento econômico.
Assim,
são alguns dos fundamentais princípios norteadores do Direito Agrário: princípio da função social da propriedade,
o qual obriga a propriedade a produzir de forma adequada e racional,
respeitando-se o meio ambiente e as regras das relações trabalhistas; princípio da justiça social, o qual intenta
maior respaldo ao homem que trabalha no campo; princípio da prevalência do interesse coletivo sobre o individual,
pelo qual não podem os interesses individuais se sobreporem ao atendimento dos
interesses coletivos constantes na legislação agrária; e princípio do progresso econômico e social, que se traduz em
incentivos para o aumento da produtividade no campo concomitante ao atendimento
dos demais princípios.
Sobre
o conceito de Direito Agrário, Wellington Pacheco Barros[1]
muito bem esclarece que:
(...)
em decorrência da forte estrutura legislativa existente e da complexidade de
atribuições que ela pretende abranger, é quase impossível a pretensão de se
conceituar direito agrário. Por isso, de forma concisa, tenho que Direito
Agrário pode ser conceituado como o ramo do direito positivo que regula as
relações jurídicas do homem com a terra.
Assim,
em que pese o tratamento amplo dado por este ramo do direito, pode-se
sucintamente afirmar que o Direito Agrário é formado por princípios e normas de
direito público e privado que procuram regular as atividades do homem sobre a
terra (atividade agrária), visando a proteger o progresso econômico neste meio
de forma compatível com os interesses da sociedade, como o atendimento da
função social da propriedade, o exercício da produção racional e econômica e a
justiça social.
Quanto
ao Direito Ambiental, este surgiu da necessidade de se criarem normas de
proteção ambiental de forma mais incisiva, deixando de ser uma mera proteção
subsidiária, como ocorria antigamente, em que invariavelmente prevalecia o
interesse econômico, passando então a verdadeiramente buscar a proteção do meio
ambiente.
Foi
um processo lento para que a legislação brasileira considerasse a necessidade de
equilíbrio do meio ambiente como um todo, e não apenas a proteção de fatores
isolados para a satisfação imediata de bem-estar do ser humano.
Esse
caráter mediato ou secundário, e até mesmo individualista, da busca de proteção
ambiental é claramente identificado no antigo Código Civil Brasileiro, revogado
em 2002, no concernente às normas que regulavam o direito de vizinhança. Nesses
dispositivos percebe-se a evidente preocupação individualista do legislador e
puramente econômica sobre determinado bem.
Ainda
passamos por constantes transformações em nossa legislação ambiental, a exemplo
do “novo Código Florestal”, Lei nº 12.651/12, longe de chegarmos num consenso
sobre essas questões, eis que envolvem múltiplos interesses, além de requererem
estudos multidisciplinares. Hoje, o que se pode afirmar é que Direito Ambiental
é uma disciplina jurídica autônoma, que regula a relação homem-natureza, tendo
por objeto a proteção da qualidade do meio ambiente, integrando, assim, toda a
legislação, doutrina, jurisprudência e princípios que se referem aos elementos
que formam o ambiente.
José
Afonso da Silva[2],
ao conceituar Direito Ambiental, afirma que:
se
trata de uma disciplina jurídica de acentuada autonomia, dada a natureza
específica de seu objeto – ordenação da qualidade do meio ambiente com vista a
uma boa qualidade de vida –, que não se confunde, nem mesmo se assemelha, com
objeto de outros ramos do Direito. Pode-se declarar também que o Direito
Ambiental é hoje um ramo do Direito Público, tal é a forte presença do Poder
Público no controle da qualidade do meio ambiente, em função da qualidade de
vida concebida como uma forma de direito fundamental da pessoa humana (...)
Explica
o citado constitucionalista ainda que Direito Ambiental deve ser observado sob
dois aspectos: o objetivo, que
consiste no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da
qualidade do meio ambiente; e como ciência,
que busca o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da
qualidade do meio ambiente.
Cabe
ressaltar a amplitude deste ramo do Direito, o que se denota a partir do
próprio conceito de meio ambiente, que não significa apenas o meio natural ou
físico, mas abrange o meio ambiente artificial, meio ambiente cultural ou até
mesmo meio ambiente do trabalho. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,
Lei nº 6.938/81, em seu artigo 3º, inciso I, conceitua meio ambiente como “o
conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química
e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas suas formas”.
Direito
Ambiental é, portanto, uma ciência jurídica complexa pela enorme abrangência de
seu regramento e pela delicadeza do assunto que trata, vez que intimamente
ligado à saúde e bem-estar e até mesmo à própria sobrevivência do homem e de
todos os outros seres.
3 Direito Agrário e
Ambiental e suas implicações no agronegócio
Especificamente
no que tange ao agronegócio, este entendido como toda relação comercial e
industrial envolvendo as diversas cadeias produtivas do meio rural, ambas as
disciplinas aqui tratadas possuem especial relação com ele.
A
intervenção do Direito Agrário no agronegócio é bastante imperativa e suas
normas sempre tiveram por objetivo o progresso econômico com o social. O
sucesso econômico da atividade agrária é de interesse da sociedade, porém, ele
deve se dar em equilíbrio com o social, razão pela qual traz em seu arcabouço
diversas disposições de caráter protetivo para também garantir o progresso
social e evitar o abuso econômico nessas relações, em prejuízo daqueles que dão
à exploração da atividade agrária o cumprimento da função social da propriedade.
Os
principais regramentos agrários se concentram no já citado Estatuto da Terra
(Lei nº 4.504/64) e seus Regulamentos (Decretos nº 55.891/65; 59.428/66 e
69.566/66), os quais possuem dispositivos basilares do Direito Agrário, pois regulam
os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de
execução de Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola, trazendo em seu
teor princípios e conceitos que guiam as relações do homem com a terra e, consequentemente,
o agronegócio; tudo, evidentemente, em conformidade com os preceitos da
Constituição Federal, especialmente aqueles do seu Capítulo III, que trata da
política agrícola e fundiária e da reforma agrária.
Mais
especificamente, dispõe o referido Estatuto sobre o uso e ocupação da terra,
refletindo primordialmente, portanto, na base da cadeia de produção formada
pelo agronegócio, mas também tutelando toda a universalidade da economia rural,
de dentro e de fora da porteira. Assim, de fundamental importância o Estatuto da
Terra, pois além de organizar a ocupação de terra, possui normas protetivas que
visam promover o desenvolvimento econômico e social no meio rural.
Wellington
Pacheco Barros[3],
ao tratar do Estatuto da Terra, menciona:
De um
autonomismo de vontade, como é a estrutura do Código Civil, passou-se para um
dirigismo estatal nitidamente protetivo, como se revestem todos os dispositivos
do direito agrário. Em outras palavras, afastou-se o sistema de liberdade de
ação das partes envolvidas em qualquer questão agrária, para uma forte e
coercitiva tutela estatal de proteção absolutamente favorável ao trabalhador
rural, num claro reconhecimento da existência de desigualdades no campo a
merecer a intervenção desigual do Estado legislador.
Em
que pese estar o Estatuto da Terra completando este ano exatamente 50 anos, ele
ainda representa o principal diploma normativo do qual decorrem as demais
normas do Direito Agrário. Além disso, destaca-se que alguns de seus
dispositivos acabaram sendo elevados a nível constitucional pela Constituição
Federal de 1988.
No
mais, a legislação agrária contem normas dispondo sobre ações de política
agrária, a exemplo das normas sobre crédito rural, títulos de crédito e seguro
agrícola, que são normas de suma importância nas relações que tangem o
agronegócio.
Importante
ainda destacar que não se confunde Direito Agrário com o que hoje se chama de “Direito
do Agronegócio”, vez que este último é de ordem privatista, podendo ser
considerado como um sub-ramo do direito empresarial, e aquele, para muitos,
considerado de natureza jurídica híbrida, pois possui tanto regras de direito
público, como de direito privado.
É,
assim, função primordial do Direito Agrário garantir equanimidade nas relações
existentes dentro do agronegócio, visando sempre proteger os interesses sociais,
o que ocorre através de um dirigismo estatal, de forma a também estimular a produção
advinda da terra, seja com ferramentas de incremento como normas sobre o
crédito rural ou ainda quando obriga que todo imóvel cumpra com sua função
social, mantendo, para tal, níveis satisfatórios de produtividade.
Por
tutelar o Direito Agrário a relação do homem com a terra, trabalho intimamente
ligado ao meio ambiente, e que, por sua vez, pode causar interferências neste,
possui esta disciplina jurídica forte relação com o Direito Ambiental, já que
este irá dispor no meio rural, por exemplo, sobre a proteção das nascentes, de
matas ciliares ao longo dos rios e do uso racional da água.
Assim,
igualmente tem o Direito Ambiental para com o agronegócio função restritiva nas
suas relações, porém agora com o intuito de proteger o meio ambiente. Visa este
ramo do Direito, no âmbito das atividades agrárias, a exploração econômica de
forma sustentável e adequada dos recursos naturais existentes na propriedade.
Pretende-se, portanto, o desenvolvimento econômico sem que isso resulte em
danos ao meio ambiente.
Maiores
exemplos de tais restrições se encontram na já mencionada Lei nº 12.651/12,
conhecida como Código Florestal, a qual reúne as principais obrigações
ambientais impostas aos produtores rurais, tais como a delimitação de área de
reserva legal e de áreas de preservação permanente, além da novidade trazida
que é a inscrição dos imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural, criado para,
de acordo com o artigo 29 da referida Lei, “integrar as informações das
propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle,
monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.
No
entanto, como já explicado, partindo-se do conceito amplo do agronegócio, o
qual abarca todas as cadeias produtivas do meio rural, as restrições em prol do
meio ambiente incidentes sobre o agronegócio também se alastram ao longo de
todas essas cadeias.
Sendo
assim, a legislação ambiental ainda regula temas relacionados a licenciamentos
ambientais, exigidos, por exemplo, para projetos agropecuários que contemplem
áreas acima de 1.000 ha; outorga do uso da água para a irrigação; biossegurança;
agrotóxicos; ente tantos outros assuntos que interferem, de alguma forma, nessas
atividades, comprovando-se assim a amplitude e complexidade trazida por esta
ciência jurídica.
4 Conclusão
Nas
últimas décadas, o progresso industrial e tecnológico aplicado à agricultura,
juntamente com a crescente demanda de cereais em todo o mundo, deu maior
relevância e amplitude às disciplinas jurídicas ora estudadas.
Dispensando-se
maiores comentários acerca da importância do agronegócio para o Brasil, o que
se evidencia exponencialmente à medida que cresce a produção nesse setor, de
forma bastante sucinta, pode-se concluir que Direito Agrário e Ambiental se consubstanciam
em regramentos fundamentais para o crescimento sadio do agronegócio, de forma a
buscar o equilíbrio nas suas relações.
Em
verdade, muitas das regras de Direito Agrário são desconhecidas ou mesmo
desrespeitadas dentro do agronegócio; assim como as normas de Direito
Ambiental, pela complexidade do assunto, divergência de interesses e por seu
tratamento multidisciplinar, ainda gera muitas dúvidas na sua aplicação. No
entanto, essas leis estão aí, em plena vigência, e devem ser observadas e
analisadas caso a caso para que seja possível o progresso econômico no meio
rural em perfeita harmonia com as relações entre os produtores rurais ou entre
estes e as indústrias, bem como haja compatibilidade dessas atividades com a tão
sonhada sustentabilidade ambiental.
Autora: Sofia Bohrz
Colaboração: Albenir Querubini Gonçalves
[1]
BARROS, Wellington Pacheco. Curso de
Direito Agrário. 8ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2013. Vol.
1, p 18.
[2]
SILVA, José Afondo da. Direito Ambiental
Constitucional. 8ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros Editores, 2010, p. 41.
[3]
BARROS, Wellington Pacheco. Curso de
Direito Agrário. 8ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2013. Vol.
1, p 31.