quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Breves Considerações sobre Direto Ambiental e Direito Agrário e suas respectivas implicações no Agronegócio Brasileiro


1 Introdução

Como primeira publicação em um Blog que irá abordar temas de Direito Ambiental e Agrário, nada mais coerente que descrever a importância dessas disciplinas jurídicas, suas abrangências e, por fim, consequentes implicações no nosso agronegócio.
Apesar de regrarem relações bastante antigas da humanidade, uma por tratar a relação do homem com a terra e a outra por tutelar o próprio meio ambiente, não se pode negar que ambas as disciplinas são recentes no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que o tratamento conforme é dado hoje ao Direito Ambiental, de forma mais autônoma, é mais recente ainda.
Com o fortalecimento das atividades agrárias e o constante crescimento da conscientização em torno do meio ambiente, essas vertentes jurídicas vem ganhando, nas últimas décadas, maior notabilidade. Assim, na mesma medida em que observamos a expansão do agronegócio brasileiro, cresce a importância e a influência do Direito Agrário e do Direito Ambiental na regulamentação das relações jurídicas decorrentes da atividade agrária.



2 Direito Agrário e Direito Ambiental: breves considerações

Inicialmente, sobre Direito Agrário, este regulamenta muitas das relações que se dão no meio rural. No ordenamento jurídico brasileiro, teve como marco de seu nascimento a Emenda Constitucional nº 10, de 10.11.64, a qual outorgou a competência à União para legislar sobre matéria agrária, decorrendo daí, 20 dias após, a promulgação da Lei nº 4.504/64, conhecida como Estatuto da Terra.
A importância deste ramo do direito pode ser antecipadamente revelada através de rasa leitura de seus princípios, eis que traduzem uma série de proteções, seja daqueles considerados mais fracos na relação, seja dos recursos naturais, da sociedade ou ainda do desenvolvimento econômico.
Assim, são alguns dos fundamentais princípios norteadores do Direito Agrário: princípio da função social da propriedade, o qual obriga a propriedade a produzir de forma adequada e racional, respeitando-se o meio ambiente e as regras das relações trabalhistas; princípio da justiça social, o qual intenta maior respaldo ao homem que trabalha no campo; princípio da prevalência do interesse coletivo sobre o individual, pelo qual não podem os interesses individuais se sobreporem ao atendimento dos interesses coletivos constantes na legislação agrária; e princípio do progresso econômico e social, que se traduz em incentivos para o aumento da produtividade no campo concomitante ao atendimento dos demais princípios.
Sobre o conceito de Direito Agrário, Wellington Pacheco Barros[1] muito bem esclarece que:

(...) em decorrência da forte estrutura legislativa existente e da complexidade de atribuições que ela pretende abranger, é quase impossível a pretensão de se conceituar direito agrário. Por isso, de forma concisa, tenho que Direito Agrário pode ser conceituado como o ramo do direito positivo que regula as relações jurídicas do homem com a terra.

Assim, em que pese o tratamento amplo dado por este ramo do direito, pode-se sucintamente afirmar que o Direito Agrário é formado por princípios e normas de direito público e privado que procuram regular as atividades do homem sobre a terra (atividade agrária), visando a proteger o progresso econômico neste meio de forma compatível com os interesses da sociedade, como o atendimento da função social da propriedade, o exercício da produção racional e econômica e a justiça social.
Quanto ao Direito Ambiental, este surgiu da necessidade de se criarem normas de proteção ambiental de forma mais incisiva, deixando de ser uma mera proteção subsidiária, como ocorria antigamente, em que invariavelmente prevalecia o interesse econômico, passando então a verdadeiramente buscar a proteção do meio ambiente.
Foi um processo lento para que a legislação brasileira considerasse a necessidade de equilíbrio do meio ambiente como um todo, e não apenas a proteção de fatores isolados para a satisfação imediata de bem-estar do ser humano.
Esse caráter mediato ou secundário, e até mesmo individualista, da busca de proteção ambiental é claramente identificado no antigo Código Civil Brasileiro, revogado em 2002, no concernente às normas que regulavam o direito de vizinhança. Nesses dispositivos percebe-se a evidente preocupação individualista do legislador e puramente econômica sobre determinado bem.
Ainda passamos por constantes transformações em nossa legislação ambiental, a exemplo do “novo Código Florestal”, Lei nº 12.651/12, longe de chegarmos num consenso sobre essas questões, eis que envolvem múltiplos interesses, além de requererem estudos multidisciplinares. Hoje, o que se pode afirmar é que Direito Ambiental é uma disciplina jurídica autônoma, que regula a relação homem-natureza, tendo por objeto a proteção da qualidade do meio ambiente, integrando, assim, toda a legislação, doutrina, jurisprudência e princípios que se referem aos elementos que formam o ambiente.
José Afonso da Silva[2], ao conceituar Direito Ambiental, afirma que:

se trata de uma disciplina jurídica de acentuada autonomia, dada a natureza específica de seu objeto – ordenação da qualidade do meio ambiente com vista a uma boa qualidade de vida –, que não se confunde, nem mesmo se assemelha, com objeto de outros ramos do Direito. Pode-se declarar também que o Direito Ambiental é hoje um ramo do Direito Público, tal é a forte presença do Poder Público no controle da qualidade do meio ambiente, em função da qualidade de vida concebida como uma forma de direito fundamental da pessoa humana (...)

Explica o citado constitucionalista ainda que Direito Ambiental deve ser observado sob dois aspectos: o objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente; e como ciência, que busca o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da qualidade do meio ambiente.
Cabe ressaltar a amplitude deste ramo do Direito, o que se denota a partir do próprio conceito de meio ambiente, que não significa apenas o meio natural ou físico, mas abrange o meio ambiente artificial, meio ambiente cultural ou até mesmo meio ambiente do trabalho. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, em seu artigo 3º, inciso I, conceitua meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas suas formas”.
Direito Ambiental é, portanto, uma ciência jurídica complexa pela enorme abrangência de seu regramento e pela delicadeza do assunto que trata, vez que intimamente ligado à saúde e bem-estar e até mesmo à própria sobrevivência do homem e de todos os outros seres.



3 Direito Agrário e Ambiental e suas implicações no agronegócio

Especificamente no que tange ao agronegócio, este entendido como toda relação comercial e industrial envolvendo as diversas cadeias produtivas do meio rural, ambas as disciplinas aqui tratadas possuem especial relação com ele.
A intervenção do Direito Agrário no agronegócio é bastante imperativa e suas normas sempre tiveram por objetivo o progresso econômico com o social. O sucesso econômico da atividade agrária é de interesse da sociedade, porém, ele deve se dar em equilíbrio com o social, razão pela qual traz em seu arcabouço diversas disposições de caráter protetivo para também garantir o progresso social e evitar o abuso econômico nessas relações, em prejuízo daqueles que dão à exploração da atividade agrária o cumprimento da função social da propriedade.
Os principais regramentos agrários se concentram no já citado Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) e seus Regulamentos (Decretos nº 55.891/65; 59.428/66 e 69.566/66), os quais possuem dispositivos basilares do Direito Agrário, pois regulam os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução de Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola, trazendo em seu teor princípios e conceitos que guiam as relações do homem com a terra e, consequentemente, o agronegócio; tudo, evidentemente, em conformidade com os preceitos da Constituição Federal, especialmente aqueles do seu Capítulo III, que trata da política agrícola e fundiária e da reforma agrária.
Mais especificamente, dispõe o referido Estatuto sobre o uso e ocupação da terra, refletindo primordialmente, portanto, na base da cadeia de produção formada pelo agronegócio, mas também tutelando toda a universalidade da economia rural, de dentro e de fora da porteira. Assim, de fundamental importância o Estatuto da Terra, pois além de organizar a ocupação de terra, possui normas protetivas que visam promover o desenvolvimento econômico e social no meio rural.
Wellington Pacheco Barros[3], ao tratar do Estatuto da Terra, menciona:

De um autonomismo de vontade, como é a estrutura do Código Civil, passou-se para um dirigismo estatal nitidamente protetivo, como se revestem todos os dispositivos do direito agrário. Em outras palavras, afastou-se o sistema de liberdade de ação das partes envolvidas em qualquer questão agrária, para uma forte e coercitiva tutela estatal de proteção absolutamente favorável ao trabalhador rural, num claro reconhecimento da existência de desigualdades no campo a merecer a intervenção desigual do Estado legislador.

Em que pese estar o Estatuto da Terra completando este ano exatamente 50 anos, ele ainda representa o principal diploma normativo do qual decorrem as demais normas do Direito Agrário. Além disso, destaca-se que alguns de seus dispositivos acabaram sendo elevados a nível constitucional pela Constituição Federal de 1988.
No mais, a legislação agrária contem normas dispondo sobre ações de política agrária, a exemplo das normas sobre crédito rural, títulos de crédito e seguro agrícola, que são normas de suma importância nas relações que tangem o agronegócio.
Importante ainda destacar que não se confunde Direito Agrário com o que hoje se chama de “Direito do Agronegócio”, vez que este último é de ordem privatista, podendo ser considerado como um sub-ramo do direito empresarial, e aquele, para muitos, considerado de natureza jurídica híbrida, pois possui tanto regras de direito público, como de direito privado.
É, assim, função primordial do Direito Agrário garantir equanimidade nas relações existentes dentro do agronegócio, visando sempre proteger os interesses sociais, o que ocorre através de um dirigismo estatal, de forma a também estimular a produção advinda da terra, seja com ferramentas de incremento como normas sobre o crédito rural ou ainda quando obriga que todo imóvel cumpra com sua função social, mantendo, para tal, níveis satisfatórios de produtividade.
Por tutelar o Direito Agrário a relação do homem com a terra, trabalho intimamente ligado ao meio ambiente, e que, por sua vez, pode causar interferências neste, possui esta disciplina jurídica forte relação com o Direito Ambiental, já que este irá dispor no meio rural, por exemplo, sobre a proteção das nascentes, de matas ciliares ao longo dos rios e do uso racional da água.
Assim, igualmente tem o Direito Ambiental para com o agronegócio função restritiva nas suas relações, porém agora com o intuito de proteger o meio ambiente. Visa este ramo do Direito, no âmbito das atividades agrárias, a exploração econômica de forma sustentável e adequada dos recursos naturais existentes na propriedade. Pretende-se, portanto, o desenvolvimento econômico sem que isso resulte em danos ao meio ambiente.
Maiores exemplos de tais restrições se encontram na já mencionada Lei nº 12.651/12, conhecida como Código Florestal, a qual reúne as principais obrigações ambientais impostas aos produtores rurais, tais como a delimitação de área de reserva legal e de áreas de preservação permanente, além da novidade trazida que é a inscrição dos imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural, criado para, de acordo com o artigo 29 da referida Lei, “integrar as informações das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.
No entanto, como já explicado, partindo-se do conceito amplo do agronegócio, o qual abarca todas as cadeias produtivas do meio rural, as restrições em prol do meio ambiente incidentes sobre o agronegócio também se alastram ao longo de todas essas cadeias.
Sendo assim, a legislação ambiental ainda regula temas relacionados a licenciamentos ambientais, exigidos, por exemplo, para projetos agropecuários que contemplem áreas acima de 1.000 ha; outorga do uso da água para a irrigação; biossegurança; agrotóxicos; ente tantos outros assuntos que interferem, de alguma forma, nessas atividades, comprovando-se assim a amplitude e complexidade trazida por esta ciência jurídica.



4 Conclusão

Nas últimas décadas, o progresso industrial e tecnológico aplicado à agricultura, juntamente com a crescente demanda de cereais em todo o mundo, deu maior relevância e amplitude às disciplinas jurídicas ora estudadas.
Dispensando-se maiores comentários acerca da importância do agronegócio para o Brasil, o que se evidencia exponencialmente à medida que cresce a produção nesse setor, de forma bastante sucinta, pode-se concluir que Direito Agrário e Ambiental se consubstanciam em regramentos fundamentais para o crescimento sadio do agronegócio, de forma a buscar o equilíbrio nas suas relações.
Em verdade, muitas das regras de Direito Agrário são desconhecidas ou mesmo desrespeitadas dentro do agronegócio; assim como as normas de Direito Ambiental, pela complexidade do assunto, divergência de interesses e por seu tratamento multidisciplinar, ainda gera muitas dúvidas na sua aplicação. No entanto, essas leis estão aí, em plena vigência, e devem ser observadas e analisadas caso a caso para que seja possível o progresso econômico no meio rural em perfeita harmonia com as relações entre os produtores rurais ou entre estes e as indústrias, bem como haja compatibilidade dessas atividades com a tão sonhada sustentabilidade ambiental.

Autora: Sofia Bohrz
Colaboração: Albenir Querubini Gonçalves



[1] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 8ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2013. Vol. 1, p 18.
[2] SILVA, José Afondo da. Direito Ambiental Constitucional. 8ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros Editores, 2010, p. 41.
[3] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 8ª ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2013. Vol. 1, p 31.